quarta-feira, 21 de julho de 2010

A tarefa analítica com fontes midiáticas


Ao realizar leituras de artigos/produções acadêmicas que utilizam fontes midiáticas para análise, por vezes, fico com dúvidas sobre a qualidade analítica dos resultados apresentados. Questiono o quanto a subjetividade e experiência do pesquisador interferiram para que certos elementos da análise tenham sido menos enfatizados do que outros, ou, o quanto a categorização de dados contempla o que, de fato, o texto apresenta (seja ele visual, sonoro, impresso, etc.). É claro que um conjunto de dados claramente referenciados, preferencialmente de fácil acesso público, colabora para que aqueles que “consomem” estes textos possam explorá-los por conta própria e constatar ou contestar determinadas conclusões. Compartilho aqui, um dos textos que me fizeram entender melhor a tarefa analítica e torna menos angustiante consultar tarefas analíticas de outrem e/ou produzi-las também. “Codificação/Decodificação” do Stuart Hall em “Da Diáspora: identidade e mediações culturais”, é um trabalho que “mapeia” o processo comunicativo, sugerindo um ciclo (que não tem um ponto de origem, é dinâmico e não linear). Ele especifica que não há uma relação emissor-receptor hierárquica na “sociedade midiatizada”. Para Hall (2003) o processo comunicativo é composto por momentos que são distintos sim, mas não isolados, interligados: produção-codificação-referenciais de sentido¹, distribuição/circulação, decodificação/consumo-referenciais de sentido². O momento de produção refere-se ao evento ou fato, que se tornará uma “narrativa” à medida em que é codificado (emoldurado) por uma empresa/rede de informações, por exemplo, uma emissora de televisão. Nesse processo as influências institucionais (políticas, sócio-econômicas, expectativa do perfil da audiência, etc.) pesam sobre a forma como o fato/evento será emoldurado, narrado. Importa muito lembrar que o que a mídia capta já é um universo discursivo (o relato de alguém, a forma como alguém viu algo acontecer, como filmou, de que ângulo, etc.). Esse evento, agora transformado em narrativa é veiculado, portanto, a partir do referenciais de sentido¹ que incluem as influências institucionais ou o “sentido preferencial” que aquela instância comunicativa confere ao evento narrado. No entanto, o “receptor” não é passivo a esse sentido preferencial, este, tem seus próprios “referenciais de sentido²” que podem convergir ou não com o sentido preferencial de quem codificou a mensagem. O processo de decodificação, portanto, está sujeito aos referenciais de cada pessoa, que pode ao mesmo tempo entender o sentido preferencial de uma mensagem veiculada e perceber nela outros sentidos (a criticidade). Ou pode ser envolvido pelo sentido preferencial, sem reconhecer naquela mensagem outras possibilidades interpretativas. Refletindo sobre esse texto, concluí que a própria tarefa analítica é um processo de decodificação. O pesquisador capta um universo discursivo e a partir dos seus “referenciais de sentido” categoriza-os e discute-os. A dúvida que persiste é: problematizar um conjunto de dados de fontes midiáticas também não é conferir a eles um “sentido preferencial” o qual pode “amputar” ou “manipular” as mensagens analisadas, criando uma nova narrativa posta sob o código da cientificidade para favorecer a discussão em torno do objeto de estudo (o que, de certa forma, implica uma certa legitimação acadêmico-social)?. Os conceitos de “sentido preferencial, referenciais de sentido, codificação e decodificação, são bem mais extensamente explicados por Hall (2003). Continuo a pensar a tarefa analítica, e, mais especificamente, em que elementos prestar atenção nas leituras que realizamos e análises que construímos, pois, dada a impossibilidade de tornar o evento “bruto”, pois trabalhamos com eventos já codificados, ou seja, narrativas, termos a possibilidade de “recodificá-los” sem manipulá-los, articulando-os com o processo comunicativo e minimizando a perda de elementos que potencializam a análise.
Abaixo, o link para fazer o download do livro do Stuart Hall (autor da Antropologia Cultural), é um dos últimos capítulos do livro: Teoria da Recepção-“Codificação/Decodificação”.

http://www.filestube.com/2f771a2bae5eb0f603ea/go.html

3 comentários:

  1. Que bom tê-la de volta, transitando conosco.
    Seja bem-vinda Doiara! Esse texto é muito bom, realmente Stuart Hall indica caminhos para desconstruir e analisar a mídia, desmistificando a voracidade sobre os caminhos que a informação percorre.
    Abs,
    Morel

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  2. Olá Doiara, espero vê-la nas próximas reuniões do GERSOM.

    Sublime a abordagem que você fez ao tema, isso considerando o reduzido espaço do blog... acredito que essa discussão deve continuar.

    Ainda sou novo no "mundo das análises" e discussões acadêmicas, mas acredito que os grupos de estudos tentam minimizar essas questões, levando para um mesmo ambiente pessoas com diferentes experiências para analisar o mesmo material (se texto ou outra mídia qualquer). Cada um contribuirá de acordo com o se repertório... mas a contribuição ainda assim será significativa.

    Um grande abraço!

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  3. oi Marcia,apesar de frequentar sempre o blog, de fato, estava precisando contribuir c/ postagens hehehe...Sim, Vinícius, gostaria de comparecer a uma das reuniões, mas, fico aqui só até 1º de agosto, e não se preocupe, todos somos "novos" no mundo das análises kkk...Legal que a postagem agradou. ABRAÇOS

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